Institucional


O NÚCLEO DE PREVENÇÃO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS

 

MISSÃO INSTITUCIONAL

          O Ministério Público do Estado do Ceará, na desincumbência de sua missão de defender a ordem jurídica e os direitos sociais e individuais indisponíveis, sob comando do artigo 127, caput , da Constituição da República e, sobretudo, em virtude de sua natural vocação de pacificador social e ombudsman da sociedade, após o acompanhamento de frutuosos debates de âmbito nacional capitaneados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a massiva presença de membros do Ministério Público, juízes, advogados, organizações não-governamentais, estudantes e comunidade, no Fórum Nacional para monitoramento e resolução dos conflitos fundiários rurais e urbanos, editou, no dia 12 de maio de 2010, o Provimento 046/2010, criando na Instituição o Núcleo de Prevenção e Monitoramento de Conflitos Fundiários , com o objetivo central de inaugurar um processo permanente de estudos e proposições de medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de medidas judiciais e extrajudiciais para resolução de conflitos fundiários, com ênfase na prevenção.

          A histórica tensão existente entre proprietários, posseiros, fâmulos da posse e, atualmente, a inserção de movimentos sociais organizados na luta pelo direito fundamental à moradia e à sobrevivência a partir do manejo produtivo e racional da terra, tem deixado um saldo de violência no campo e nas cidades que atentam, cruamente, contra o exercício da cidadania plena. Séculos de descaso constituem o fator preponderante para a concentração de riqueza e formação de bolsões de miséria em todos os recantos do País (sesmarias do Brasil colonial, enfiteuses, apossamento arbitrário, grilagem, falsidades cartorárias e outras mazelas são exemplos desse caldo de iniquidades).

          Agregue-se que a desordem urbana e agrária, que são a sementeira da favelização das grandes cidades, constitui um dos principais antagonistas da promoção do bem-estar social. Não há cidadania sem moradia digna.

          Esse fenômeno de segregação social tem gerado forte indignação e resistência de movimentos que buscam tornar efetiva a promessa constitucional de possibilitar a todo brasileiro o direito de viver em habitação digna.

          O Ministério Público, nesse processo, pode e deve ser um protagonista eficiente na cobrança da concretização dos direitos prestacionais, especialmente o direito fundamental à moradia (artigo 6º da CF) e, acima de tudo, um mediador natural de conflitos fundiários, velando, de um lado pela proteção à propriedade que cumpre o seu papel social e, de outro, pela efetivação de políticas habitacionais e de assentamento de famílias que têm nas atividades agrárias a sua forma primária de subsistência.

          Também, não pode passar ao largo do controle da Instituição, a perpetração dos nefastos atos de grilagem de terras (apossamento ilegal de glebas para fins de especulação), em decorrência dos resultados danosos e hostis à democracia do País. Assim, nasce para o Ministério Público o dever de fiscalizar os serviços notariais de registro de imóveis que, muitas vezes, servem de alicerce para a construção da grilagem.

         Embora tardia, já é chegada a hora do Estado intervir, sem o massacre de direitos fundamentais, fomentando medidas tendentes à mediação de conflitos fundiários que têm servido de estuário de muitos episódios de violência no campo e nas cidades.

          A má distribuição de terras pela concentração fundiária agregada à ausência de uma política vigorosa de educação formal tem favorecido a arregimentação de trabalhadores para o “lavor escravo”, ou seja, para viverem num sistema de dependência econômica, conhecido como “sistema barracão”. Nesse impiedoso sistema, o trabalhador sempre tem os seus salários comprometidos pelo pagamento de víveres alimentícios e são impedidos de retornar para os seus lares.

          Nesse contexto, a pacificação fundiária, passa, necessária e prioritariamente, pela eliminação das causas primárias dos conflitos. Eis que o Brasil de grandes avanços tecnológicos ainda é arcaico quando o assunto é a “questão fundiária”, pois ainda convivemos com práticas deletérias que excluem o Estado, tais como a grilagem de terras, trabalho escravo, ocupação de terras produtivas, formação de milícias armadas (verdadeiros grupos paramilitares) que a despeito de agirem em desforço possessório da propriedade do latifundiário, não modulam as suas ações de defesa, chegando a ceifar vidas. Casos emblemáticos vividos no Pará, como o de Eldorado dos Carajás, a morte da missionária americana Dorothy Stang e recentes entreveros entre latifundiários e membros do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, bem demonstram um afrouxamento e rotura do Estado que não tem conseguido cumprir a promessa constitucional de construir uma sociedade justa e solidária.

          Partindo dessa inquietante e preocupante situação, devemos todos despirmo-nos de preconceitos e ideologias maniqueístas de quaisquer matizes, para compreender que as demandas que envolvem conflitos coletivos fundiários não podem ser tratadas simplesmente como ações possessórias ou reivindicatórias, mas deve-se ter em mente o valor social ali embutido. Há necessidade do exercício permanente de uma hermenêutica de ponderação dos valores constitucionais em confronto.

          Nesse aspecto, entendemos que a questão da mediação pode ser assumida pelo Ministério Público, tendo em vista a natureza dos direitos envolvidos, principalmente nas zonas endêmicas de conflito, onde há grandes propriedades rurais e movimentos sociais organizados em permanente tensão.

          Também não se pode perder de vista o nevrálgico problema da efetividade das decisões judiciais, já que, em todo o País, tem-se verificado que as demandas judiciais, ao invés de gerar segurança jurídica ao vencedor da disputa jurídica, acabam por cristalizar situações em prol dos sucumbentes, equivale dizer, o Estado, por não ter políticas habitacionais e agrárias consistentes que contemplem grande parcela da população necessitada, quando é chamado a intervir com o seu aparato de segurança para cumprir determinação judicial, de despejo ou de reintegração de posse, envolvendo conflitos de massa, alega a existência de questão social de elevado relevo que impede o uso da força. E é verdade. Não se pode, simplesmente, despejar centenas de famílias sem apontar alternativas habitacionais, sob pena de recrudescer a violência proveniente da indigência social. Não se trata de instituir um Estado paternalista, mas um Estado do Bem-Estar Social, onde o homem seja tratado como um fim em si mesmo e não como um meio.

          Desse panorama nasceu a ideia de criar o Núcleo de Prevenção e Monitoramento de Conflitos Fundiários, através do Provimento 046/2010.